História da cultura e comunicação cuiabana são preservadas no MISC

Através de salas temáticas, o MISC conta a história da capital e de personalidades por meio de fotografias, equipamentos do audiovisual e outros objetos históricos.

Um verdadeiro tesouro fica escondido no emaranhado de construções no centro histórico de Cuiabá. Camuflado entre as edificações vizinhas de arquitetura colonial antiga, o Museu da Imagem e do Som de Cuiabá Lázaro Papazian Chau, o popular MISC, possui um acervo inestimável de fotografias, artes, documentos, objetos, instrumentos musicais e da história da comunicação e do cinema, além de registros das festividades típicas da capital e da sua evolução urbana.

Localizado na Rua 7 de Setembro, esquina com Voluntários da Pátria, em frente a Igreja Nosso Senhor dos Passos, o MISC pode ser visitado de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 14h às 18h. Aos sábados e domingos pode ser aberto para visitação de escolas, coletivos e grupos que desejam conhecer mais sobre a arte, música e comunicação, ou realizar atividades culturais no local.

Fachada do MISC, um dos antigos casarões no centro histórico (Foto: Mariana da Silva)

Inicialmente a construção era Casa de Alferes, onde residia Alfredo Joaquim Moura, responsável pela cobrança de impostos na época, que era recolhido para a coroa portuguesa. O local já pertenceu à família italiana de Rafael Verdangieri no século XX, que passou para seu filho Rafaelito e posteriormente a seus descendentes que venderam ao Dr. Sergio Abid Hage.

A prefeitura de Cuiabá adquiriu efetivamente o antigo casarão por volta do começo do século XXI para abrigar o MISC. Com os recursos municipais e estaduais, a restauração do local foi possível ao longo dos anos para manter suas características originais e não perder a herança arquitetônica da região.

A ideia da criação do museu surgiu por volta de 1988 no antigo Departamento de Cultura e Turismo e na Casa de Cultura de Cuiabá. Desse modo ele foi de fato criado em 1991 através do Decreto Municipal 2477/91 de 05 de novembro do mesmo ano.

Através dos anos foi anexado a Secretaria Municipal de Cultura e após isso foi instalado em outros endereços da capital. Desde 2006 o museu é localizado em sua sede atual, no antigo sobrado do Alferes Joaquim Moura.

Para preservar as características originais e manter a estrutura conservada, o museu já passou por duas reformas significativas. Uma delas, de 2015 a 2018, fez com que o MISC fosse fechado durante o período e muitas atividades desenvolvidas foram bruscamente interrompidas na época, uma perda cultural e social muito sentida pela comunidade atendida nos projetos desenvolvidos e também pelos mediadores do local.

A fachada chama atenção de quem passa. Muito embora seja semelhante a arquitetura típica das casas coloniais cuiabanas, como dos imóveis laterais que a cercam, o destaque parte para sua preservação e a cor viva do azul de sua pintura restaurada, em contraste com outras construções laterais e nos arredores bastante condenadas pela ação do tempo, do descaso e do abandono.

Lateral do MISC, que fica de frente para a Igreja Nosso Senhor dos Passos. (Foto: Mariana da Silva)

As grandes portas de madeira dão entrada para um passeio que se torna uma verdadeira viagem no tempo conforme se avança pelos corredores do local, que conta com sete salas temáticas. Logo na entrada as paredes são repletas de fotografias, além de coleções de discos de vinil, antigas vitrolas, pianos e instrumentos musicais, entre outros objetos doados por famílias locais para agregar ao acervo de itens históricos do museu.

Sala temática com vinis, toca discos, LP’s e instrumentos musicais. (Foto: Mariana da Silva.)

Mestre Ignácio é uma das personalidades que tem sua memória preservada no MISC. Nascido em 1892, o músico multi instrumentista, compositor e cuiabano raiz, Ignácio Constantino de Siqueira, tem sua história e trajetória musical contada pelos mediadores do museu, com destaque para o fato de compor músicas para os mais diferentes instrumentos em distintos gêneros musicais, incluindo o choro e o rasqueado. Participou de eventos culturais e musicais marcantes e foi inclusive o responsável por criar a primeira banda civil de Cuiabá.

Painel com fotos em homenagem a Mestre Ignácio. (Foto: Mariana da Silva)

Ao longo da tour é contada pelos mediadores do museu e pelos painéis nas paredes a história de outros artistas que passaram pela capital e contribuíram efetivamente para a preservação cultural e histórica. Um deles é Lázaro Papazian Chau, que dá nome ao local, e foi um fotógrafo e cineasta armênio que chegou em Cuiabá em 1926 para fazer registros e permaneceu até sua morte em 1991.

Câmeras antigas de diversos modelos e foto de Lázaro Papazian Chau. (Foto: Mariana da Silva)

Chau registrou as transformações arquitetônicas e urbanas do desenvolvimento de pontos conhecidos da capital, incluindo as imagens das principais igrejas do centro, que foram registradas através de suas lentes. Com fotografias do preto e branco a as atuais coloridas, as paredes do local mostram a evolução gradual da arquitetura e da expansão urbana da cidade vista de cima.

Dentre o conjunto de imagens fotografadas, catalogadas e em reserva técnica, calcula-se que ultrapassam o número de 20 mil exemplares, com destaque para as obras de Lázaro Papazian e de Nenê Andreatto.

Evolução urbana de Cuiabá retratada nas fotografias de diferentes épocas. (Foto: Mariana da Silva)

As paredes feitas em taipa e adobe, duas técnicas de construção distintas, ainda possuem duas partes preservadas de como eram antes das sucessivas reformas. De forma rústica, as pedras grosseiras e ásperas estão expostas e contrastam em sua cor escura com o branco da parede rebocada da arquitetura contemporânea.

Parede de adobe e de taipa preservadas, técnicas de construção antigas. (Foto: Mariana da Silva)

O jornalista, professor, ator e músico Liu Arruda também é lembrado em uma das salas. Importante figura para o teatro em Mato Grosso, Elonil de Arruda nasceu em 30 de maio de 1957 e herdou de sua mãe a paixão pelo teatro. Foi professor por 10 anos, repórter da TV Centro América, colunista de jornais, mas sua vocação mesmo era para o teatro. Participou de várias peças, novelas e chegou até mesmo a ter um bar chamado “Nó de cachorro”, local onde artistas regionais se apresentavam com intuito de proporcionar acessibilidade popular para as manifestações culturais.

Com quase 40 personagens na conta e centenas de apresentações, uma de suas figuras mais conhecidas era a personagem Nhara, uma dama cuiabana que falava sobre a vida de políticos locais. Em uma época onde o intenso fluxo migratório repelia os costumes e traços regionais de Cuiabá, Liu incorporou personagens que exaltavam e valorizavam a cuiabania através do seu humor com senso crítico e os traços regionalistas.

Quadro dedicado a Liu Arruda e antiga televisão. (Foto: Mariana da Silva)

As memórias do cinema e do rádio cuiabano também fazem parte do acervo. No andar de cima do museu estão objetos raros como câmeras fotográficas, rádios, telefones, projetores de cinema, rolos de filmes antigos, maquetes e equipamentos relacionados à comunicação e ao audiovisual de diferentes épocas.O intuito é demonstrar a evolução dos equipamentos, além de preservar alguns dos modelos de vários períodos e como contribuíram para avançar nas comunicações e no cinema.

Acervo de objetos da comunicação do MISC. (Foto: Mariana da Silva)

Na sala de rádio se encontram alguns dos primeiros rádios trazidos para Cuiabá, assim como os primeiros equipamentos de estúdio, transmissores e outros aparelhos que foram cedidos pela rádio A Voz do Oeste.

Equipamentos de estúdio de rádio. (Foto: Mariana da Silva)

Nas salas reservadas para a história do cinema em Cuiabá, é visível a presença de um grande colaborador para a manutenção cultural do MISC, o historiador Aníbal Alencastro, que recentemente foi homenageado através do documentário Paradiso de Aníbal (2022). Em uma delas se encontram equipamentos cinematográficos, maquetes, rolos de filmes e objetos cedidos por Aníbal.

Equipamentos, painéis de cartazes de filmes de época e maquetes de Aníbal. (Foto: Mariana da Silva)

Em outra sala estão expostas as pinturas feitas por ele durante o período ocioso da pandemia, onde se dedicou a pintar em telas as principais obras do cinema mundial. As telas são uma forma de “paródia” cômica dos títulos e cartazes dos filmes que marcaram gerações, dentre eles estão Tubarão, Senhor dos Anéis, Jurassic Park, Laranja Mecânica, Psicose, ET – O extraterrestre, A Lista de Schindler, entre outros.

Telas pintadas por Aníbal Alencastro sobre cartazes do cinema mundial. (Foto: Mariana da Silva)

Recentemente, em maio de 2022, um documentário em sua homenagem foi lançado em comemoração aos 80 anos do Cine Teatro Cuiabá, produzido por Diego Baraldi. O projeto foi realizado com recursos da lei de incentivo a cultura Aldir Blanc, contemplado no edital Mestres da Cultura de Mato Grosso da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer.

 A lei foi essencial para que o setor cultural continuasse a atuar no estado, principalmente durante a pandemia, visto que muitos artistas e pessoas ligadas ao setor da cultura se viram totalmente desamparados no momento do isolamento social com o fechamento de locais e eventos.

Devido a pandemia no ano de 2021, o MISC realizou em média pouco mais de 15 eventos durante o ano todo e as visitações caíram drasticamente, tanto as visitações diárias quanto as programadas realizadas por grupos de estudo, universidades, escolas e outros movimentos sociais que se beneficiam do espaço para realizar suas atividades.

Frequentemente escolas, tanto públicas quanto particulares, se organizam para promover visitas, sendo este um dos grupos que mais entram no local. Contudo, por questões de logística as escolas particulares visitam mais para aulas de campo e passeios.

Em 2021 cerca de cinco escolas públicas e sete particulares promoveram visitas ao local. Cada escola particular teve em média 50 alunos por escola e as públicas em média 60 alunos. Este é um dos poucos locais preparados para a visitação na atuação de equipamentos culturais de Cuiabá.

Curiosamente, segundo informações dos organizadores, o local é pouco visitado em janeiro, por se tratar de um período marcado pelas férias, mas é muito visitado nos demais meses do ano.

Pátio onde grupos e coletivos se reúnem para atividades culturais. (Foto: Mariana da Silva)

Em 2022 o MISC realizou importantes parcerias com grupos e coletivos sociais, um deles é o Psicanálise na Rua, projeto da professora da UFMT Adriana Rangel, que promove atendimento psicológico gratuito a pessoas em situação de rua.

Recentemente em julho o projeto promoveu em parceria com o MISC o Samba Candeeiro, em memória aos 24 anos da Chacina do Beco do Candeeiro.

Você pode conferir em vídeo um rápido tour pelo MISC clicando aqui.

Para mais informações sobre a história do local e de Cuiabá em aspectos culturais, você pode acessar o link para ouvir o episódio MISC 300 anos em um museu, com a participação de Cristóvão Luiz, diretor do MISC.

Texto por Mariana da Silva

Uma resposta para “História da cultura e comunicação cuiabana são preservadas no MISC”.

  1. Avatar de Para além dos muros, Museu guarda memória e história de Mato Grosso – Factorio MT

    […] Já o Misc, funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h e aos sábados das 8h às 16h, e o desconhecimento da população já foi abordado em reportagem publicada no Factório. Por fim, o Museu do Rio Cuiabá, no bairro Porto, abre de segunda a sexta, das 8h às 18h. Aos […]

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