Para além dos muros, Museu guarda memória e história de Mato Grosso

Através de exposições permanentes e temporárias, e atividades ao ar livre, o Museu de História Natural de Mato Grosso tenta preservar a história mato-grossense

O Museu de História Natural de Mato Grosso (MHNMT) está instalado na Casa Dom Aquino, localizada na avenida Beira Rio. Com um vasto acervo sobre a história de Mato Grosso, o museu é rico em pesquisas arqueológicas, paleontológicas e etnológicas, além de exposições dentro da residência, o local de 10 mil m² têm acesso ao Rio Cuiabá, é rodeado por árvores, plantas nativas e diversas aves que abafam o som de uma das avenidas mais movimentadas da capital mato-grossense e proporcionam um silêncio atípico.

Com um estilo colonial com formato em “U”, a casa já foi residência de figuras ilustres. Rodeada por diversas árvores, o cantar dos pássaros e a lanchonete a céu aberto, lembra um sítio e é a fórmula perfeita para atrair visitantes fiéis. Contudo, a falta de divulgação nos meios de comunicação e a localização fora de um centro histórico, torna o museu desconhecido para boa parte da população cuiabana e mato-grossense. 

Em 2021, devido às medidas sanitárias em função da pandemia de covid-19, o museu ficou fechado até o mês de abril. No restante do ano, o MHNMT recebeu pouco mais de três mil visitantes. Já em 2022, esse número foi de 12.301 visitantes nas dependências do museu e outros seis mil participantes nas ações do museu itinerante. 

Além da falta de divulgação do local, há também a pressa cotidiana, que é um dos principais motivos para que boa parte da população não tenha consciência do tesouro que está guardado no museu: boa parte da história de Mato Grosso. Ainda que se tenha uma divulgação maior para exposições temporárias, que envolvem a realização de oficinas diversas no espaço do museu, não há tanta valorização dos objetos históricos.

Vídeo com depoimentos dos visitantes do museu e exposições do local

Para um dos mediadores do museu, Wilson Junior Ferreira dos Santos, três fatores são determinantes para o desconhecimento do público: a falta de interesse da população, a localização e a falta de políticas públicas. “A população de Cuiabá não tem uma cultura de museu, de valorização da história de Cuiabá. Existem alguns elementos, como o Siriri e o Cururu, que o pessoal sempre fala, mas falar especificamente de história de Cuiabá é muito difícil”, explica Wilson.

Isso ocorre por vários motivos, os poucos museus que estão ativos hoje na capital tem um horário pouco flexível para boa parte das pessoas. Os dois museus estaduais presentes em Cuiabá são os que possuem melhor flexibilidade de horário, com possibilidade de visitação durante todo o final de semana. O Museu de História Natural de Mato Grosso e o de Arte Sacra funcionam de quarta-feira a domingo, com horários parecidos; das 8h às 18h e das 9h às 17h, respectivamente.

Quanto aos museus municipais, destacam-se o Museu da Caixa D’ Água Velha, o Museu de Imagem e Som (Misc) e o Museu do Rio Cuiabá. O primeiro, funciona de segunda a domingo, das 8h às 17h, exceto no horário de almoço.  Já o Misc, funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h e aos sábados das 8h às 16h, e o desconhecimento da população já foi abordado em reportagem publicada no Factório. Por fim, o Museu do Rio Cuiabá, no bairro Porto, abre de segunda a sexta, das 8h às 18h. Aos finais de semana, inicia suas atividades uma hora mais tarde, às 9h. Os horários de funcionamento dos museus foram retirados do Google e/ou das páginas oficiais dos locais.  

Apesar de alguns horários serem mais flexíveis, boa parte da população cuiabana  que possui uma CLT hoje, trabalha seis dias da semana em uma jornada de ao menos oito horas por dia. O que os leva no seu único dia de folga (que não necessariamente é no fim de semana) querer descansar e não sair de casa. Até fevereiro deste ano, aproximadamente 853.148 pessoas possuíam a CLT assinada no Estado, o que é cerca de 22,4% do número de habitantes de Mato Grosso (3.784.239 habitantes, até dezembro de 2022, segundo dados do IBGE). 

A falta de incentivo dentro das escolas para que os estudantes visitem estes locais, seja com a família ou com a própria instituição, é outro fator para que as novas gerações não se interessem pela cultura do próprio Estado, já que no âmbito público, as escolas não ofertam mais a história de Mato Grosso em sua grade curricular. 

O que, particularmente, foi um dos divisores de água para que a arqueóloga Suzana Hirooka quisesse ter um espaço de aprendizagem sobre a história local em que jovens e crianças pudessem visitar aqui em Cuiabá. 

Ela relata que na época em que já trabalhava com arqueologia, o que mais a incomodava era o fato de que a maioria das vezes os fósseis eram destinados para locais em que não seria aberto ao público, em especial o público jovem e infantil que poderia se interessar pela paleontologia. “Me incomodava muito esse material ir para outros museus ou até mesmo para outras universidades, outros laboratórios onde não havia divulgação e nem um acesso do público, principalmente o público estudantil”, acrescenta.

Foi a partir disso que surgiu dentro de si uma necessidade de tornar realidade um museu de história natural em MT. Hirooka e sua equipe realizaram uma parceria com a Secretária de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso, para que eles ajudassem a preservar os itens achados em um local em que não sofreriam danos. Dessa forma, a Secretaria de Cultura cedeu a Casa Dom Aquino ao Instituto de Ecossistemas e Populações Tradicionais (Ecoss), grupo do qual Suzana integrava.

Casa Dom Aquino 

A Casa Dom Aquino foi construída por volta de 1842 para ser sede de uma grande fazenda. Tombada como patrimônio histórico pelo Governo do Estado de Mato Grosso em 1997, o imóvel possui um estilo colonial, com traçado arquitetônico em formato de “U”, 12 cômodos e fachada voltada para o rio Cuiabá. A residência foi berço de duas personalidades ilustres na história do estado, Joaquim Duarte Murtinho e Dom Aquino Corrêa. A memória de Dom Aquino é lembrada não somente no nome do local, mas também é o nome do bairro onde se encontra.

A residência se tornou sede do MHNMT em dezembro de 2006 e  atualmente, os documentos da propriedade se encontram em uma biblioteca na casa, onde também é possível ter acesso a livros da história de Mato Grosso, Cuiabá e região. Além disso, o acervo da biblioteca também conta com relatórios de arqueologia. Contudo, são apenas para estudos e os livros não podem ser retirados.  

A transformação da casa em museu foi um processo delicado que começou especialmente pelo avanço das pesquisas que já existiam no estado. Desde os anos 1990, a quantidade de estudos e descobertas em torno da história de Mato Grosso aumentou, assim como a ascensão da arqueologia regional. 

Suzana conta que na época, a Secretaria de Cultura tinha dificuldade de ter pessoas capacitadas para cuidar de todo o material. Dessa forma, como o Ecoss tinha divergência para manter esse material no estado, acabou sendo uma parceria que beneficiaria ambos os lados: o estado conseguia os profissionais capacitados e o Instituto teria um local para armazenar as descobertas. 

E assim, uma parte se torna um grande almoxarifado do serviço público e outra pequena parte se transforma em um “guardador” dos materiais arqueológicos encontrados. Ao longo do tempo e através de debates, a Casa foi se tornando cada vez mais um museu, especialmente após a organização das exposições e de todos os achados dos sítios arqueológicos mato-grossenses.

Exposições

O museu possui exposições de caráter permanentes e/ou temporários. As permanentes são divididas em três coleções: paleontológica, arqueológica e etnográfica. Com a primeira coleção, o museu conta moderadamente sobre a história da vida na Terra. Desde os primeiros organismos, como os unicelulares, até os primeiros hominídeos que ocuparam Mato Grosso. Todos os artefatos que a compõem foram encontrados aqui no estado, através de pesquisas do instituto Ecoss e doações. As peças mais significativas da primeira coleção, são as encontradas na região de Chapada dos Guimarães, revelando que ali já foi mar há centenas de milhares de anos. 

Outra peça que chama a atenção dos visitantes são os fósseis de Mesosaurus Brasiliensis, um dinossauro encontrado na América do Sul e na África, que reforça a teoria da pangeia, em que todos os continentes já foram um só. Além de peças de outros dois dinossauros chapadenses. Essa exposição também tem fósseis de outros dois animais, o tatu e a preguiça gigante, ambos, de acordo com os registros dos sítios arqueológicos, existiram no mesmo período que os hominídeos.

Peças da idade da pedra polida – foto: Vitória Kehl

 A exibição etnográfica, é dividida em quatro partes: o período paleolítico, em que o ser humano só caçava, coletava e era nômade e depois, o período da pedra lascada e por último o neolítico, que é o período da pedra polida. Este último seria mais ou menos quando surge a agricultura, já que o ser humano passa a habitar um local por mais tempo. O museu possui algumas peças de todos esses períodos, todas achadas em território mato-grossense.  

A última exibição dessa exposição é a etnográfica, que conta um pouco mais sobre a história dos povos indígenas em Mato Grosso. O museu possui algumas peças dos povos Waurá e Carajás e com a exposição, algumas das tradições desses povos são apresentadas aos visitantes. 

 Peças indígenas, na exposição fixa de etnologia – foto: Vitória Kehl

Por fim, o museu disponibiliza uma sala somente para as exposições temporárias, que costumam dialogar com uma das exibições fixas. Atualmente, está disponível a atração sobre o céu de Mato Grosso, que compõem belíssimas fotos do espaço e ficará exposta no museu até o final de julho.  Essas são as exposições que costumam atrair mais visitantes, já que são temporárias.

Para além da parte interna, do lado de fora da casa, estão expostas duas réplicas de dinossauros, uma do Pycnonemosaurus Nevesi e a outra do Saurópode, ambas em tamanho real. Sendo o segundo, a maior réplica de dinossauro do Brasil.

Visitas

As visitas podem ser mediadas ou não, conforme solicitado pelo visitante. Caso a pessoa queira a visita mediada, são quatro horários o dia todo: dois na parte da manhã e dois de tarde, todos com uma média de duração de 1h e 30min. 

O tour ocorre tanto na parte de dentro da casa, quanto no terreno. A parte externa da visita engloba uma trilha até as margens do rio Cuiabá em que os mediadores fazem um trabalho de sensibilização para as questões de preservação ambiental. 

Sabendo da necessidade de preservar o meio ambiente, o MHNMT tem desenvolvido atitudes para se enquadrar dentro de parâmetros ecossustentáveis (redução do consumo de energia, água e da diminuição da produção de lixo). Além disso, realiza, frequentemente, atividades e ações que despertem na comunidade a conscientização da importância da preservação ativa dos recursos naturais. 

Entre elas, a fossa de bananeira trabalha com evapotranspiração, onde são jogados os resíduos cinzas dos banheiros, as bananeiras são plantadas e estes resíduos servem de matérias orgânicas para esse frutos. O museu também possui uma cisterna para captar água da chuva, que auxilia tanto no jardim quanto na limpeza do museu.  Além de lixeiras de coleta seletiva e uma trilha das árvores. 

Mesmo nos horários fora das visitas mediadas, os mediadores estão abertos a tirar dúvidas, caso a pessoa opte pela visita não mediada. O visitante está livre para explorar o museu como quiser, exceto a trilha do rio, que precisa de acompanhamento. 

Apesar de tudo, como já dito acima, o local é pouco conhecido e, para Wilson, a localização é um dos pontos principais para esse desconhecimento da população, “você está falando de um lugar em que as pessoas não esperam encontrar um museu. Porque aqui não pertence ao Centro Histórico, então quando as pessoas passam, elas sempre olham e ‘nossa, mas o que é aquilo ali?’ mas não entram né?! Várias pessoas quando entram aqui pela primeira vez falam isso”, explica.

Por se tratar de uma das avenidas mais movimentadas, próxima de uma instituição de ensino superior, as pessoas sempre passam na correria e muitas nem percebem a fachada em vermelho do museu. 

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