Precisamos falar sobre a saúde mental materna:

Conheça a vida de três mulheres que possuem algo em comum, todas conciliam a vida, o profissional, os estudos, os filhos e o lar

Você conhece uma mãe que concilia todas as esferas da vida ao mesmo tempo? Talvez sim, é uma realidade diária e constante na vida de muitas mulheres com filhos.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia ocasionou no agravamento da saúde mental de mães e gestantes. O acúmulo de esgotamento mental, a sobrecarga de obrigações, as responsabilidades com as questões acadêmicas, profissionais, a carreira, os filhos, a família, relacionamentos e os serviços domésticos, muitas vezes sem uma rede de apoio ou ajuda podem desencadear ansiedade, depressão, estresse, inseguranças, medo, entre outros transtornos psicológicos. 

Nesta reportagem você vai conhecer a vida de três mulheres que possuem algo em comum, todas conciliam a vida, o profissional, os estudos, os filhos e o lar. E também da Psicóloga Simone Oliveira, especialista em psicanálise e em terapia cognitivo-comportamental e mãe de cinco filhos, sabe muito bem sobre o assunto e também participa da reportagem especial do Factorio MT.

Durante os primeiros anos da graduação, Maria Julia Barcelos, estudante de Zootecnia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), de 23 anos, viveu uma rotina exaustiva. Acordar cedo, arrumar sua filha Ayla, ir para a faculdade, pegar ônibus e voltar para casa e amamentar. Voltar correndo para a aula da tarde na faculdade. Chegar em casa, colocar a pequena para dormir e aproveitar a noite, o único momento que ela tinha para estudar.

De acordo com a estudante, muitos professores da faculdade eram compreensíveis com a realidade que ela se encontrava, como também havia professores que lidavam de forma diferente, isto é, não tinham a mesma compreensão. 

Maria Júlia
Arquivo Pessoal

‘‘As pessoas romantizam muito a vida materna assim como a acadêmica, ambas quando sentidas na pele são bem difíceis e conciliar as duas é desgastante. Muitas vezes brigava com minha filha porque eu estava exausta e só queria um momento de “sossego”, acabava descontando nela toda minha frustração por não conseguir realizar todas as atividades que dependiam de mim.  Agora quero chegar no fim do curso, formar e sentir que apesar de todos os meus momentos caóticos, crises de choro, procrastinação, do cansaço psicológico, emocional e físico, eu dei conta de concluir o curso e criar minha filha. Muitas vezes parece que apenas sobrevivo e dia após dia é mais evidente o cansaço e estresse em mim’’ conta ela.

Apesar das dificuldades, a estudante também contou que ainda não procurou ajuda psicológica e que lida com a saúde mental da forma que pode e recebe a rede de apoio da sua mãe. 

Para a estudante de pós-graduação em Gestão Pública e Política, da Faculdade particular Multivix, Kelly Braga, de 43 anos, conciliar a carreira, o cuidado com a filha, com a casa, o âmbito acadêmico, da família, é muito difícil. A rede de apoio é o marido, ele administra junto com ela a rotina diária e o cuidado com a filha Isabela de apenas sete anos.

Kelly Braga
Arquivo pessoal

Ela conta que no período da manhã fica com a filha, prepara o almoço e depois se arruma para ir ao estágio no período vespertino. Quando retorna para casa prepara a janta e fica com a família e estuda quando todos vão dormir. ‘‘É tudo muito corrido, todos os dias é a mesma rotina, nesses dois anos de pandemia  eu precisei procurar ajuda psicológica. Comecei a sentir que perdi o controle das coisas, foi então que descobri que estava com transtorno de ansiedade, depois disso comecei a controlar e a cuidar mais de mim’’ relata Kelly.

Isabelle Cristine, de 24 anos, é estudante de Pedagogia da Faculdade particular Unopar, e é mãe do Luiz, de apenas três anos. Ela conta que o filho possui Transtorno do Espectro Autista (TEA), e que a sua rotina é difícil, porque precisa dar conta de tudo, do trabalho, da faculdade, do sustento de casa, da família, de cuidar do filho e acompanhar ele na terapia.

Isabelle Cristine.
Arquivo Pessoal

”Meu filho é autista, ele precisa de mim, eu preciso acompanhar ele nas terapias, preciso ir para a faculdade, preciso trabalhar e conciliar tudo junto é muito difícil. Comecei a faculdade em 2018 no mesmo ano que descobri que estava grávida, por não conseguir me adaptar acabei reprovando em algumas matérias, eu não conseguia estudar, o horário do curso chocava com o horário do meu trabalho. Fico pensando que hoje era para eu estar formada…Quantas vezes falei que ia desistir da faculdade, cancelar o meu curso só para poder trabalhar, mas entendo que não tenho o que fazer porque eu também preciso estudar’’ conta Isabelle. 

A estudante também contou que ainda não procurou ajuda psicológica e que lida com a saúde mental da forma que pode. Em casa, a sua rede de apoio é a sua mãe e a irmã mais nova que ajudam a cuidar do pequeno Luiz.

A psicóloga Simone Oliveira, especializada em psicanálise e em terapia cognitivo-comportamental, é mãe de cinco filhos, e conta que conciliar a carreira, a vida afetiva, relacionamentos, a família, a maternidade em si, os estudos e ainda ter um autocuidado demanda uma boa administração do tempo como também uma boa saúde mental.

De acordo com a psicóloga, existe uma grande quantidade de mulheres, mães, que entram em um processo de estresse intenso, sentimentos de medo, insegurança, culpa, frustração e irritabilidade. Para ela é constante encontrar em seu consultório mães que estão sofrendo porque precisam conciliar suas carreiras e os estudos com a maternidade.

Psicóloga Simone Oliveira
Arquivo Pessoal

‘‘Muitas se sentem fracassadas e culpadas como as ‘‘piores mães do mundo’’ porque não conseguem abrir mão dos seus sonhos e vontades para exercer somente a maternidade. Quando a maternidade chega, logo vem a culpa e por um tempo se não cuidar, surge também a anulação de si mesma.

Você passa a exercer essa única função na vida, quando você deixa a maternidade de lado, para exercer outras funções, a culpa sobressai. Começam a surgir as acusações tanto de si mesma quanto da sociedade, dizendo que você não é uma boa mãe porque você resolveu seguir a carreira, seguir seus sonhos, seus desejos e resolveu cuidar de si mesma. Tem que sobrar tempo para se amar, para se cuidar.

É preciso ter aceitação, entender que além de mãe, você também é uma mulher e que pode ter uma carreira e seguir seus sonhos’’ relata a psicóloga. 

Confira mais trechos da entrevista com a Psicóloga Simone Oliveira.

Factorio MT: Para você, como profissional, o que é ser uma boa mãe?

S.O – O que é ser uma boa mãe? Existe uma fórmula? A gente assiste filmes e programas sempre relatando uma boa mãe que está 24h feliz com a criança e na realidade não é assim. Uma mãe precisa ter tempo para si também. Não precisa achar que precisa ser a melhor mãe do mundo. Acho que se as mães entenderem isso a maternidade pode não ser tão pesada.

Estamos vivendo uma era no Instagram em que as pessoas se comparam muito, ‘’se eu não for uma mãe igual a fulana na rede social então eu não vou ser uma boa mãe.’’ E isso é mentira, porque eu posso sim ser boa, mas eu preciso entender primeiro que como mãe, também tenho os meus limites e as minhas limitações. Eu não preciso exigir tanto de mim assim, porque a mãe é a mãe que ela consegue ser, ela será boa porque ela é humana, ela faz o que ela pode e o que ela consegue fazer.

Esse é o meu trabalho no consultório, é chegar para uma mãe e acolhê-la e falar “tá tudo bem, hoje é um dia ruim? larga tudo por hoje, amanhã vai ficar tudo bem e se não ficar você tenta de novo”. E se ela conseguir aceitar isso nela mesma, não vai ter nenhum filho para falar que ela é uma péssima mãe. E se falar ela precisa falar: “Tudo bem, essa é a péssima mãe que você tem,  é a mãe que eu consigo ser”. É preciso aceitação, entender que além de mãe, ela é mulher, ela pode ter uma carreira, pode ser o que ela quiser, pode ter dias para descanso. 

Factorio MT: Você já atendeu mulheres nessa área no seu consultório? 

S.O – ‘‘Sim, já atendi um caso de uma mãe que entrou em depressão profunda. Era uma sobrecarga do trabalho profissional e em casa uma sobrecarga de atividades domésticas. Ela entrou em depressão durante a gestação e quando a criança nasceu ela teve depressão pós parto, ela não conseguia cuidar do filho, não conseguia fazer nada, o marido cobrava ela para “ser mais mulher”.

Ela realmente teve um problema emocional muito grave, atualmente, depois do tratamento ela está bem. Fizemos todo um trabalho para que ela pudesse ter amor próprio, ter um autocuidado consigo mesma. Outra paciente que atendo acreditava que para ser aceita e ter sucesso ela precisava ser melhor do que era antes da gestação, e aos poucos a gravidez dela foi deixada de lado e isso é uma preocupação, porque lá na frente tem tudo para demandar uma depressão pós parto.

Ela pode exercer o trabalho dela, pode ser competente mesmo sendo mãe. Estamos trabalhando isso com ela’ e vai dar tudo certo’. conta a psicóloga. 

Sobre auxílio, recurso e políticas públicas voltadas a estudantes mães: As estudantes entrevistadas foram perguntadas se estavam inseridas em algum auxílio, programa ou benefício específico que atendesse especificamente  estudantes mães dentro do campo acadêmico. Todas alegaram que não estão inseridas em nenhum auxílio específico para esse público na faculdade.

Contudo, Maria Júlia, estudante da UFMT e Isabelle Cristine usam apenas o cartão estudantil que facilita o transporte até a faculdade e retorno para casa. A estudante Kelly Braga já possui locomoção própria. 

Os auxílios específicos para mães seriam, por exemplo, Auxílio-creche, já é uma realidade na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj). A Universidade Estadual Paulista – Unesp, possui plano emergencial garantido pela universidade para impedir que as estudantes abandonem os estudos depois da gestação. Os benefícios são mantidos enquanto os estudantes estiverem com a matrícula ativa na universidade.

A Factorio MT entrou em contato com a Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Prae), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A PRAE é responsável pela formulação, implementação, gestão e acompanhamento de políticas institucionais no âmbito da assistência estudantil, de modo a contribuir com o desempenho acadêmico do estudante e voltados à melhoria de qualidade e apoio aos estudantes em condições socioeconômicas.

A Prae alegou que não existe um auxílio específico para atender exclusivamente estudantes que são mães. O público alvo são alunos e alunas em vulnerabilidade socioeconômica. Os auxílios ofertados pela UFMT, são:

  • Auxílio Permanência: auxílio a estudante em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
  • Auxílio Alimentação: apoia a permanência dos estudantes na Universidade através do repasse mensal do valor correspondente ao café da manhã, almoço e jantar no Restaurante Universitário.
  • Auxílio Moradia Estudantil: destinado a alunos de baixa renda residentes fora do município-sede da Universidade. Casa do/a Estudante – Câmpus de Cuiabá e Rondonópolis).
  • Auxílio Evento: destinado ao apoio de estudantes na apresentação de trabalhos e eventos científicos.
  • Apoio à Inclusão: apoio concedido a estudantes que se proponham apoiar, individualmente ou em grupo, acadêmicos que precisam de apoio para melhorar o próprio desempenho acadêmico.

Você pode conferir mais informações acerca dos auxílios da UFMT neste link

Para discentes da UFMT, os auxílios acima podem ajudar na criação dos filhos e a evitar a evasão estudantil de mulheres mães. 

As experiências compartilhadas nesta entrevista podem ajudar outras mães a buscarem ajuda de um (a) psicólogo (a) para fortalecer o autocuidado, a saúde mental e o amor próprio. Também deixa a importância de debater sobre o tema, muitas mães não têm apoio dentro de casa ou na universidade e superam as dificuldades sozinhas, com motivação própria. É importante a implementação de políticas públicas e auxílios voltadas a esse público. De modo que essas mães tenham motivação e o encorajamento necessário para continuar estudando e recebendo mais espaços, direitos e equidade dentro do âmbito acadêmico.

Confira a matéria completa no Spotify

Texto por: Nathânia Ortega e Vitória Verano.

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